17.7.08

Posição da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil sobre o Batismo de Crianças

Nos escritos do Novo Testamento, nenhum batismo de crianças é expressamente relatado. Os relatos apresentam batismos de adultos convertidos à fé cristã. O batismo marca a troca de senhorio – do domínio das “trevas”, o batizado passa ao domínio de Cristo (Colossenses 1.13). A partir desta consciência é possível compreender porque recém convertidos, deixavam-se batizar com “toda a sua casa” (Atos 16. 15; 16. 33; 18. 8; 1 Co 1. 16). O termo “casa” (“oikos” no original grego) referia-se à família em sentido amplo, incluídas as crianças, os escravos e os filhos destes. Para submeter todos os seus familiares ao poder do Espírito Santo, tornando-os partícipes da salvação, é provável que todos – inclusive as crianças – tenham sido batizadas. Evidentemente não eram batizados os familiares que se auto-excluíam, não aceitando a fé cristã (1 Co 7. 12-16).
A pergunta se os primeiros cristãos batizavam ou não suas crianças não pode ser afirmada nem refutada a partir de citações bíblicas. Certo é que em torno do ano 200 existem testemunhos dos Pais da Igreja relatando o batismo de crianças. Em 180, Irineu afirma que “Jesus veio para salvar a todos que são renascidos através dele em Deus: recém nascidos, crianças, adolescentes, jovens e adultos” (Adv. Haer., II, 22.4). O termo “renascidos”, para os pais da Igreja, é termo técnico para o “batismo”. Na Constituição Eclesiástica de Roma, formulada por Hipólito em 215, encontramos a frase: “Primeiro devemos batizar os pequenos. Todos que podem falar por si mesmos. Para aqueles que ainda não sabem falar, falem seus pais ou alguém que pertença à família” (Const.Ecl. XVI, 4). Orígenes, por volta de 240 fala diversas vezes do batismo de crianças. Em seu comentário à carta de Romanos, ele afirma: “A igreja recebeu dos apóstolos a tradição de batizar também as crianças” (Comm. In ep. Rom V, 9).
Os Pais da Igreja, portanto, consideravam o Batismo de crianças uma tradição apostólica. É provável que tenha sido prática comum em toda Igreja Antiga . Esta propagação do batismo de crianças na Igreja Antiga, certamente deu-se pela convicção de que no batismo é Deus que age na vida do batizando, enquanto que este apenas recebe o batismo. A fé, neste caso, é fruto do batismo, ou seja, do agir de Deus. Outro motivo que permitiu a difusão do Batismo de crianças na Igreja Antiga, certamente, foi a convicção de que a Igreja precede o cristão individual como o espaço do senhorio de Cristo onde o Espírito Santo atua e como comunhão dos que crêem e mutuamente sustentam e fortalecem sua fé. Neste sentido, a fé da Igreja sempre precede à do batizando, seja ele adulto ou criança.
A atuação de Lutero e a Reforma Eclesiástica no século XVI coincidem com o surgimento de movimentos “anabatistas” na Suíça, em partes da Alemanha e na Holanda. Segundo estes, o verdadeiro batismo é o batismo com o Espírito Santo ocorrido na fé. O Batismo com água, para eles, apenas é testemunho humano de uma decisão espiritual anterior. A partir destes argumentos, os “anabatistas” rejeitaram – e o rejeitam até hoje – o batismo de crianças, considerando-o inválido, desprezando 1500 anos de história da Igreja. Um adulto batizado como criança, chegando à fé, deverá ser “batizado” novamente.
Lutero condenou o rebatismo duramente. Para ele, quem rebatiza um adulto batizado como criança “blasfema e profana o sacramento em sumo grau” (Catecismo Maior IV, 55). Lutero defende o Batismo de crianças afirmando que a contestação desta prática é “obra do diabo”, que, “através de suas seitas, confunde o mundo” (Catecismo Maior IV, 47). Em defesa do Batismo de crianças Lutero argumenta, em primeiro lugar, com a história da Igreja. Assim, ele diz “Que o batismo infantil agrada a Cristo, prova-o suficientemente sua própria obra. A muitos dentre os que assim foram batizados, Deus os santificou e lhes deu o Espírito Santo. E ainda no dia de hoje muitos há nos quais se percebe que tem o Espírito Santo, tanto a vista de sua doutrina como por causa de sua vida. Assim, também a nós [Lutero fala de si!] outros foi dada pela graça de Deus a capacidade de podermos deveras interpretar a Escritura e conhecer a Cristo, o que não pode suceder sem o Espírito Santo. Agora, se Deus não aceitasse o batismo infantil, a nenhum deles daria o Espírito Santo, nem qualquer parte dele. Em suma, durante todo esse tempo, até o dia de hoje, homem nenhum no mundo poderia ter sido cristão” (Catecismo Maior IV, 49-50). Se Deus agiu através de seu Espírito todo este tempo na Igreja, então, é porque ele se agrada do batismo de crianças – pois “Deus não pode estar em conflito consigo mesmo” (Catecismo Maior, 50).
Como argumento em favor da validade do Batismo de crianças, Lutero esclarece a relação correta entre Batismo e fé. Isto era importante porque os “anabatistas” justamente argumentavam dizendo que somente a fé consciente (de um adulto!) pode receber o batismo. Para Lutero, porém, a obra do Batismo e sua validade para o ser humano dependem exclusivamente da obra que Deus realiza neste sacramento. A fé, ainda que imprescindível, apenas recebe o batismo, confiando na sua obra. Por isso, o Batismo de crianças é válido mesmo que a fé e a confiança no sacramento cheguem mais tarde. Aliás, nem é possível dizer que o batismo de crianças aconteça sem fé. Os pais, os padrinhos, as madrinhas e toda a igreja agem em fé e em esperança: “Levamos a criança ao batismo com o ânimo e na esperança que ela creia; e rogamos que Deus lhe dê a fé” (Catecismo Maior IV, 57). Este, porém, ainda não é o argumento maior que permite Lutero batizar – sejam crianças ou adultos. O batismo acontece porque a Igreja age em obediência ao mandato divino: “Não é, porém, à vista disso que a batizamos, mas unicamente porque Deus o ordenou” (Catecismo Maior IV, 57).

2 comentários:

Anônimo disse...

Parece-me haver aqui mais tradição do que sola Scriptura

Daniel M.S. disse...

Há muitas pessoas acreditando na Bíblia e em outras muitas coisas incompatíveis com Ela. Felizmente estas e outras posições são negociàveis. Não são fundamentais.

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