Imagine uma cabeça humana sem ouvidos. Um bloco compacto. Olhos, nariz, boca, mas sem orelhas. No lugar em que, comumente, elas estão, apenas uma superfície lisa, impenetrável, osso duro. Deus fala, não há reação. Literalmente a parte em negrito, está escrito: "o Senhor cavou ouvidos em mim". É estranho que nenhum tradutor haja produzido a sentença exactamente assim. Perder a metáfora é inaceitável, porque o verbo hebraico é "cavar". A metáfora ocorre no contexto de uma actividade religiosa apressada, surda à voz de Deus: "Sacrifícios e ofertas não quiseste... holoucastos e ofertas pelo pecado". Como essas pessoas sabiam sobre as ofertas, e de como fazê-las? Tinham lido e seguido as instruções de Êxodo e Levítico, tornando-se religiosos. Seus olhos leram as palavras na página de Torá e os rituais tomaram forma. Leram cuidadosamente as palavras das Escrituras e adotaram o ritual adequado. Que aconteceu para que não atentassem para a mensagem "não os requeres"? Deve haver mais envolvido do que seguir instruções sobre animais sem defeito, altar de pedra e fogo sacrifícial. E há: Deus está falando e tem que ser ouvido. Mas o que adianta Ele falar, sem que existam ouvidos humanos para escutar? Por isso, Deus toma uma picareta e uma pá e cava o granito craniano, abrindo passagem que dará acesso às profundidades interiores, à mente e ao coração. Ou, talvez, não imaginemos uma superfície lisa de crânio, mas algo como poços entupidos de lixo: Barulho cultural, fofoca descartável, conversa suja. Os ouvidos estão cheios de tal forma que não ouvimos Deus falar. Ele os cava de novo, retirando o lixo sonoro, assim como Isaque abriu de novo os poços que os filisteus haviam entupido. O resultado é a restauração das Escrituras: olhos transformados em ouvidos.
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