26.5.05

Celebração e Liturgia Numa Sociedade Pluralista


Uma das características dos tempos em que vivemos é a pluralidade. Este fenômeno se caracteriza pela imensa oferta de opções ao homem moderno. Opções a respeito de tudo. Ele pode escolher desde a cor da gravata até o sexo do bebê, passando pela quantidade de estrelas do seu macarrão ou índice de cafeína no seu "capuccino". Pode escolher entre centenas de marcas do sabonete (inclusive, adotar o estilo rústico de não-sabonete), orientações pedagógicas para seu filho, ideologia da sua revista semanal, o programa da noite, o sabor do chiclete (deste o tradicional tutti-frutti, até sabor picanha); pode escolher morar no campo ou na cidade, o presidente operário, caçador de marajás ou intelectual; viajar de jegue, de navio, ou de submarino; pode escolher entre diversos estilos de vida (tradicional-obtuso, tradicional-esclarecido, moderno, "prafrentex", revoltado, hippie, culto de esquerda, culto de direita, descuidado-charmoso, artístico-desligado etc.), ou mesmo seu próprio sexo, independentemente daquele de seu nascimento (esta escolha é chamada de "opção sexual").
A pluralidade se instala no homem moderno como uma inconsciente necessidade — ou compulsão, mesmo — de optar, alimentada pela mídia, e sustentada pela sociedade de mercado. Ao mercado interessa que o indivíduo esteja sempre pronto a experimentar algo novo, a mudar, a optar. Ele tem que viver em eterno estado de supermercado. A vida à sua frente tem que ser composta de prateleiras abarrotadas. E ele acha isso delicioso.
Este nosso cidadão também faz opções religiosas. Para isso também há prateleiras cheias de ofertas. Tem cristianismo tradicional (em bom estado), usado, avivado, renovado, recondicionado (mas com garantia de bênçãos); tem esoterismos (com poções ou sem poções mágicas); tem bruxas de meter medo (e bruxos simpáticos, também); tem até peças avulsas para seu "kit" religioso personalizado.
Ninguém escapa da força da pluralidade. Assim, quando acorda no domingo, o crente se predispõe a optar: — O que temos hoje, na prateleira? — lhe vem, inconscientemente ao espírito. E ele se dá conta que pode escolher como será sua manhã eclesiástica por diversos critérios à sua disposição: a igreja (templo, tenda, cinema, ar-livre, chácara etc.), o pastor (tradicional, falante, carismático, pedagógico, paternal etc.), a aula de Escola Dominical (em classes, sem classe, com ou sem professor, com auxílio audiovisual, flanelógrafo, revista etc.), o coral (ou conjunto de rock), os irmãos (fraternos ou arredios, distantes ou bisbilhoteiros etc.), o tipo de liturgia (dançante ou imóvel, "quente" ou "frio", com ou sem direito a arrepios, com corinhos ou com hinário, para assistir ou participar etc.).
Estabelece-se, assim, inevitavelmente, o mercado eclesiástico: o pastor acorda no domingo imaginando o que poderá oferecer de atraente aos seus "consumidores". Se ele não for criativo, começa a perder a concorrência. Se isso acontece, sua igreja perde em animação, perde em movimento; ele próprio perde prestígio no Conselho de Ministros da cidade (medido por número de membros ativos) e até na sua capacidade de influir na política local. Perde, inclusive, em dízimos e ofertas. Tudo fica comprometido. Desde os projetos missionários, até seu próprio sustento.
Este pastor precisa, portanto, estar constantemente atualizado sobre as novas tendências litúrgicas, para poder oferecer aos seus membros o que há de mais moderno e atraente. Ele precisa manter-se "na crista da onda". Se a "onda" é tremer, vamos tremer; se é roncar, que sejamos os primeiros; se é cair para trás, nosso povo já cai há muito tempo. Ah, o quente é redescobrir as formas litúrgicas medievais? Ora, já estamos até construindo uma catedral gótica, cheia de vitrais...
O leitor perdoe se o tom desta conversa vai ficando um pouco irônico. É que ele ajuda a ressaltar a parte ridícula de toda essa situação, no breve espaço de que dispomos. Não se trata de ser destrutivamente contra tudo o que é novo, mas de mostrar o perigo potencial embutido na situação. Na realidade, não me parece um mal em si o pastor se esmerar em oferecer uma liturgia dinâmica, atraente, viva e exuberante aos seus irmãos. O problema aparece, a meu ver, quando a lógica do mercado, acima esboçada, inverte a polaridade das relações no culto. Explico isto, com a metáfora da ópera.
Imagine um culto a Deus como uma sessão de ópera. Talvez esta seja a forma de expressão cultural mais evoluída e completa já alcançada por nossa civilização. Naquele momento mágico, há ambientação, há enredo; há drama, dança, música solada e sinfônica, há harmonia (entre músicos e atores-cantores), polifonia, sincronismo etc. e um público, que fornece o ambiente. Da conjugação destes e tantos outros fatores, resulta uma celebração completa, arrebatadora e bela. Nesse ambiente, todos celebram, de forma intensa, uma porção de seu patrimônio cultural.
Pois bem. Se um culto é semelhante a uma ópera, então temos um grande filão a explorar nesta metáfora. Por exemplo, o que podemos considerar como "harmonia" do culto (além daquela estritamente musical)? Quem são os apresentadores, no culto? Quem é o dirigente? Como se monta o enredo (o tema da peça)? Será ele uma comédia (no sentido de alegria) ou um drama? Quem decide? Quem participa?
De tantas perguntas, interessa-nos, aqui, uma, em especial: quem é a platéia? Na ópera, há um público que paga o bilhete. E no culto? Na ópera, esse público aplaude ou vaia, determinando a prosperidade ou o fechamento antecipado da temporada. E no culto?
Aí é que está. No culto, tanto o dirigente quanto a platéia são o próprio Deus. Todos os demais são apresentadores, atores, músicos, etc. Todos têm a responsabilidade de apresentar algo de belo a Deus. E este é o único que pode aplaudir ou vaiar. Os demais são parte do sucesso ou do fracasso.
À ovelha e ao pastor, cabe, no domingo pela manhã, perguntar-se: que opções tenho hoje? E escolher entre adorar ou não. "E todas as demais coisas vos serão acrescentadas..."
(Rubem Amorese)

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