13.6.05

Carta Aberta ao Presidente da República

Senhor Luis Inácio Lula da Silva
São Paulo, 6 de junho de 2005.
Excelentíssimo Senhor,

Permita-me tratar-lhe por você. Não por desrespeito, mas para lembrar-me de suas origens – comuns a mim e a milhões de outros brasileiros.
Também preciso me apresentar. Sou pastor de uma fraternidade de mais de cem igrejas que se espalham por vários estados brasileiros; sou nordestino como você e resido em São Paulo. Meu pai foi preso político na ditadura de 1964.
Militei por sua candidatura para presidente em todas eleições. Como a comunidade evangélica havia aprendido, na ditadura militar, a manter-se submissa e conformada aos descalabros do regime, resolvi, contra toda expectativa de meus pares, filiar-me ao Partido dos Trabalhadores. Sofri alguns preconceitos, mas nunca hesitei em minha decisão. Precisávamos da coragem de lutar contra a ideologia que tentou nos domesticar por quase trinta anos.
Desde que o PT recebeu dinheiro dos banqueiros para financiar sua candidatura, desfiliei-me do partido. Isso aconteceu há mais de seis anos.
Senti, na época, que precisava manter-me livre, para cumprir o meu mandato cristão de ser uma voz profética e denunciar o que julgasse errado.
Presidente, agora rompo, programática e emocionalmente com seu governo e passo a ser um ferrenho opositor seu.
Não estou trocando de amores. Alguns maridos abandonam o casamento por se apaixonarem por outras mulheres. Não cortejo ninguém, pelo contrário, sinto-me só e sem nenhum líder ou partido que cative meu coração.
Como batalhei por sua eleição e fui um entusiasta de seu governo, sinto que lhe devo explicações por esse divórcio tão radical.
Não rompo por achar suas metáforas tolas e, muitas vezes, levianas. Estou decepcionado por notar que seu discurso sobre justiça social foi apenas bravata (você sempre gostou dessa expressão, que pena). Suas ações para reverter o abismo social que envergonha nosso país, não passaram de assistencialismos. Por outro lado, suas iniciativas assistencialistas atolaram na burocracia, nos interesses dos coronéis regionais, nos labirintos da corrupção e na incompetência dos seus liderados.
Não rompo por discordar de suas alianças com as oligarquias políticas já encasteladas no poder há anos. Entendo que há necessidade de se negociar no jogo político. Estou decepcionado por você ter jogado fora seu capital político. Milhões de eleitores acreditaram que seu governo traria mudanças estruturais. Mas você não se esforçou para mudar o DNA social, político e tributário de minha pátria amada. As filas da previdência ainda são um pontapé na dignidade dos inválidos, idosos e doentes. As estradas que deveriam escoar a riqueza nacional continuam destruídas. As escolas públicas, sucateadas, lembram que nosso futuro é uma falência adiada. Poucos países convivem com uma carga tributária tão pesada e com uma contrapartida de tão poucos benefícios. Nossa igreja trabalha em favelas e sei que o problema da miséria não se resolverá distribuindo cestas de alimentação. O lucro dos grandes bancos continua na estratosfera e não há política eficaz de financiamento da moradia popular – casas se amontoam nos ribeiros fétidos, nos viadutos e nas periferias urbanas. Não há política de segurança pública eficaz no seu governo. Os brasileiros vivem assustados com os seqüestros, tiroteios, furtos, roubos e corrupção das polícias.
Não rompo por considerá-lo desonesto. Porém, estou alarmado com a atitude de seu governo em manter a cabeça enterrada na areia. Em nome da governabilidade, você e seus assessores de confiança se esforçam em alianças com políticos da pior espécie, para abafar o pedido generalizado de que se estanque a hemorragia da corrupção. Tanto eu como outros milhões de
admiradores seus, esperávamos mais dignidade ética, mais transparência política e atitudes mais corajosas para que o “custo Brasil” não seja ainda mais onerado pela propina . Lula, você vem agindo exatamente igual a todos os outros que lhe antecederam e não foi para isso que eu e milhões de brasileiros lhe elegemos.
Diante desses poucos argumentos, que me são muito caros, precisava dizer-lhe, antes de tornar notório, que não tenho mais confiança em seu governo nem no seu partido.

Sinceramente,
Ricardo Gondim.
São Paulo - São Paulo

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