22.6.05

Robert Reid Kalley (Infância e Juventude (1809 1838)

Em 1º de setembro de 1827, depois de um curso brilhante, recebeu atestado de trabalhos práticos no Hospital Real de Glasgow, onde se internara no curso de Farmácia. Em 03 de agosto de 1829, completando o currículo, diplomou-se em Farmácia e Cirurgia. Tendo obtido licença de cirurgião, fez sua primeira grande viagem marítima, como médico de bordo, no navio a vela Upton Castle, que se dirigia a Bombaim, na ìndia. Numa segunda viagem, o navio atracou em Funchal, capital da ilha da Madeira, para onde estavam consignadas algumas cargas. O jovem médico teve oportunidade de visitar a cidade e a ilha, que o impressionaram profundamente tanto pelas belezas naturais como pela situação de pobreza e de ignorância do povo. Isso veio a casar-se com as impressões trazidas diante da miséria e do fanatismo religioso observados em Bombaim e nas cidades costeiras do Oriente por onde passara e contribuiu para aprofundar o grau de agnosticismo a que se deixara levar.
Minha primeira visita à Madeira - escreveu mais tarde - foi em 1831. Pouco antes havia ocorrido em Portugal uma guerra civil, que repercutiu na ilha, onde houve casos de assassinatos, envenenamentos etc. Alguém me mostrou os estragos em certos prédios, ocasionados por balas de canhão. Houve coisas ali que me agradaram à vista e ao paladar. Foi no tempo da colheita das uvas. Lembro-me de passear pelas vinhas no sopé das montanhas. Passei pela Catedral e pela cadeia pública. Se alguém me houvesse dito que doze anos mais tarde eu estaria ali preso pelo crime de ler e explicar as Escrituras, eu teria respondido que isso seria inteiramente impossível.
Porém Deus conseguiu essa transformação, tirando-me da incredulidade.
Convidado a uma terceira viagem pela mesma Companhia, em 1832, lamentou não poder aceitar o convite, pois estava prestes a abrir consultório em Kilmarnock. Pouco depois chegava a notícia de que o navio em que deveria embarcar se incendiara próximo ao cabo da Boa Esperança, no extremo sul do continente africano, e, no naufrágio, haviam perecido todos os passageiros e tripulantes. Essa notícia lhe deve ter causado profunda impressão, mas não foi bastante para libertá-lo da irreligiosidade e do ateísmo que, então, o dominavam.
Em 1832 abriu o consultório em Kilmarnock. Hábil cirurgião, prosperou em seu trabalho atendendo a numerosas famílias da alta sociedade local, que formavam a sua clientela. Cheio de vida e muito espirituoso, temperamento herdado do pai, "cavalheiro de semblante alegre e de natureza extrovertida", amante dos esportes, tornou-se benquisto nas altas rodas sociais e sua presença era sempre requisitada nas festas sociais e familiares. Ganhou o apelido de "o médico dançador de Kilmarnock". Essas diversões e atividades não prejudicavam, porém, seus trabalhos profissionais, pois amava a medicina, e a cirurgia em particular, assim como os exercícios da clínica junto à gente mais pobre, a quem socorria às mais das vezes gratuitamente. Por dois anos tudo lhe corria a gosto e com êxito, quando começou a sentir que nem os prazeres deste mundo nem as vitórias obtidas em sua profissão poderiam satisfazer plenamente aos anseios mais íntimos de sua alma.
Em 1833, o Dr. Kalley, então com 24 anos, veio a conhecer a jovem Margarida Crawford, de Paisley, que exerceria grande influência sobre sua vida, fervorosa cristã que era. Sem dúvida, a amizade entre ambos, que logo evoluiu para sentimentos mais íntimos e pessoais, muito ajudou ao jovem médico que debatia em floresta de dúvidas, procurando às apalpadelas um sentido mais real para a existência. Mary Kay, a irmã querida e sua confidente, também muito o auxiliou. Em carta da época, respondendo à que ele lhe dirigira sobre o assunto, aconselhava-o:
Querido Roberto:
Muito agradecida pela carta que me escreveste e, mais ainda pela franqueza com que me falaste. Ao mesmo tempo, estou bem triste pelo que me dizes a respeito do estado de tua alma. Sinto-me incapaz de poder satisfazer as tuas dúvidas... Se a tua alma se submetesse à autoridade das Escrituras, cessariam as tuas dúvidas todas... Cessariam também todas as tuas vãs especulações acerca de assuntos que sempre ficarão inescrutáveis aos mortais, por mais sábios que sejam.
Rejeitar uma doutrina por esta ser misterioso e além da tua compreensão é o cúmulo da insensatez e demonstra uma mente cheia de preconceitos e fechada para a verdade.
Não é misteriosa a nossa própria existência? Não são misteriosas as operações da natureza? Nada sei a respeito dos motivos por que Deus permitiu a entrada do pecado no mundo, ou por que não criou o homem infalível. O teólogo mais profundo não pode dizer mais que isto: Que assim lhe aprouve para a sua glória..
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Roberto conhecia a irmã e o grande equilíbrio e sensatez que, sempre, desde criança, encontra em todas as sua palavras e conselhos. E essas palavras assim como as que diretamente ouvia quando a procurava para outras confidências pessoais, não podiam ficar sem efeito sobre ele. Em 35, uma completa mudança espiritual alterou-lhe o curso de toda a vida.
Tinha sido chamado para atender a uma pobre e piedosa velhinha, presa de cruel e incurável enfermidade. Examinando-a, o Doutor ficou impressionado com o espírito de paciência e conforto íntimo com que a enferma suportava os sofrimentos e provações, e a tranqüilidade com que via a morte aproximar-se inexoravelmente. Terminada a visita e prestes a retirar-se, a doente pediu-lhe o favor de abrir o armário que ficava ao pé do leito e entregar-lhe o pão ali guardado e que lhe seria a refeição naquela hora. Ele o fez: encontrou um pedaço de pão seco, que depositou na mão da enferma. Esta, ai receber a migalha tão pobre, fechou os olhos, depois de um breve agradecimento ao Doutor, e deu graças a Deus pela comida. O médico sentiu um profundo abalo emocional: Como podia aquela anciã agradecer a Deus - ao seu Deus - por comida tão escassa e tão seca? Como podia ser tão tranqüila em tais desconfortos, tão serena e confiante em tantos sofrimentos? Procurou saber o motivo dessa atitude, não observada ainda entre os muitos enfermos de que até então cuidara, e ela, respondendo-lhe, declarou, com toda a candura, que toda aquela paciência, resignação e conforto vinha do fato de ser crente em Jesus e de sua leitura piedosa e diária das Santas Escrituras.
O Doutor resolveu, então revisar mais diretamente sua posição de incredulidade e examinar com maior interesse as Escrituras cristãs, cuja leitura e meditação alimentavam de modo tão admirável a tranqüilidade espiritual de sua cliente. Conversou com outro jovem, que sentia os mesmos problemas que ele e resolveram procurar os conselhos de um velho ancião da igreja. Este se dispôs alegremente a ajudá-los e dentro em pouco, com outros jovens que a eles se juntaram, formava-se uma pequena classe de cartoze alunos nas dependências do templo para leitura da Bíblia, orações e meditações.
A atenção de Kalley foi chamada para o livro de Deuteronômio e, neste, para as profecias que o Senhor dirige ao povo hebreu, prometendo guardá-lo nas tribulações que adviriam depois, principalmente no cativeiro a que futuramente seria levado. Grande observador da História, impressionou-o, nessa leitura, o significado bíblico da existência e das tribulações do povo judeu através dos tempos e concluiu que muitas das profecias que encontrara no livro Já haviam tido cabal cumprimento e outras havia que, certamente, aguardavam ainda a consumação. (Continua)

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